Educar crianças e jovens hoje é uma tarefa cercada de desafios. Se a tecnologia, por um lado, abre fronteiras e permite conexões nunca realizadas antes, por outro, descortina perigos e dificulta o desenvolvimento do foco e da concentração. Além disso, nas grandes cidades, a vida é marcada por um constante senso de urgência, por velocidade e pelo isolamento, o que nos distancia da cultura popular e dos costumes tradicionais. Como, então, preparar as crianças para esse cenário? A fim de refletir sobre essa questão, o Clube Quindim conversou com Ricardo Azevedo. Escritor e ilustrador premiado com o Jabuti e o APCA, Ricardo Azevedo teve seus livros publicados em vários países, é pesquisador de folclore e um dos curadores do Clube de Leitura Quindim. Confira nosso bate-papo:

Clube Quindim: Ricardo, para você, hoje, quais são os maiores desafios para a educação de uma criança e de um jovem?

Ricardo Azevedo: Eu diria que o maior desafio do Brasil, se quiser um dia tornar-se um país realmente democrático e equilibrado socialmente, é estabelecer uma política de Educação pública de qualidade que implique em distribuição de conhecimento. Imagino que o ideal seria uma Educação de período integral para nossas crianças e jovens, ou seja, Fundamental e Ensino Médio. O estudante entra pela manhã, passa o dia na escola, estuda e faz suas lições na própria escola com o acompanhamento de um professor. Volta para casa no fim da tarde para estar com a família e brincar com os amigos. Quanto ao teor da Educação, isso deveria ser estabelecido por uma comissão de professores e especialistas convocados para criar um programa educacional competente e contemporâneo. Temos excelentes profissionais para isso. Na minha visão, enfim, isso seria uma Política de Estado estabelecida de forma suprapartidária e criada para ser mantida e desenvolvida independentemente de que partido esteja no poder.

Clube Quindim: E quais são os caminhos para driblar esses desafios?

Ricardo Azevedo: É preciso convencer a sociedade inteira por meio de campanhas – particularmente as classes altas e médias – da importância fundamental de termos investimentos reais feitos com o aval de toda a sociedade tendo em vista uma política de Estado para a Educação. É disso que precisamos para que o Brasil se desenvolva de forma sustentável.

Clube Quindim: Muitos dos jovens brasileiros vivem um cotidiano urbano, imersos em tecnologia. Como se conecta esse jovem à cultura popular?

Ricardo Azevedo: Creio que maioria de nossos jovens já está conectada à cultura popular até porque essa maioria é constituída, infelizmente, de jovens pobres. Nosso país é profundamente marcado por uma visão de mundo popular. Na minha cabeça, faz parte de uma Educação de qualidade para o Brasil estabelecer uma integração e uma sintonia programática entre o que poderíamos chamar de cultura letrada e oficial e as culturas populares. Haverá uma grande avanço quando isso acontecer de fato.

C.Q.: Você acha que o brasileiro tem uma dificuldade de reconhecimento de sua cultura, no que se convencionou chamar de “complexo de vira-lata”?

R.A.: Até onde sei e falando em termos bastante gerais, temos sim uma tendência a valorizar o que vem de fora de forma indiscriminada, e a desvalorizar nossa própria produção cultural indiscriminadamente, inclusive, nossa rica cultura popular. Trata-se de um desafio a ser enfrentado por uma política pública de Educação. Cabe a ela contribuir para que o cidadão saiba separar o que é bom e vem de fora e o que puro lixo e vem de fora também. Assim como conhecer melhor nossa própria cultura e dela separar o que é bom.

C.Q.: Qual é a importância se promover uma aproximação das crianças e jovens com essa cultura? Como os pais podem fazer isso?

R.A.: Costumo dizer o seguinte: quando uma criança pobre entra na escola, ela costuma ser levada a inferir que seus pais e sua família não sabem nada e são até inferiores porque são iletrados, não sabem ler e escrever e desconhecem a História, a Geografia, a Matemática etc. Imagine a autoestima dessa criança! E o pior, tal premissa não é verdadeira pois essa criança vem de uma riquíssima cultura popular cheia de narrativas e contos (cada um melhor que o outro), adivinhas, ditados, quadras, anedotas, linguagens, receitas culinárias, danças, músicas, festas, técnicas etc. Mais um exemplo: o improviso é recurso típico das culturas populares pois elas não contam com a fixação permitida pela escrita: textos, partituras, receitas etc. Ora, o improviso é um recurso sensacional que exige o desenvolvimento da criatividade e da intuição. Você conhece alguma escola que contribua para a capacidade de improviso entre seus alunos? Uma política de Educação pra valer terá que estabelecer a integração entre esses dois modelos: o oficial e técnico, mais individualista e enraizado na cultura escrita, e o popular, espontâneo e diversificado, mais coletivo e enraizado na cultura oral.

C.Q.: Vivemos um momento de muito acirramento e maniqueísmo político, nas redes e fora delas. Como preparar as crianças para esse momento, para desenvolver empatia com o outro e respeitar sua opinião?

R.A.: É uma pergunta difícil de responder pois ela tem muitas facetas. De uma coisa tenho certeza: com uma Educação de qualidade, teremos crianças mais analíticas, com um pensamento crítico mais desenvolvido e, portanto, com uma noção mais clara do que seja uma sociedade e do que seja um cidadão. Creio que isso pode ajudar a combater o maniqueísmo e as polarizações cheias de preconceito, demagogia e populismo.

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