O que a maior parte dos brasileiros sabe sobre os povos indígenas? Apesar de serem os povos originários brasileiros, eles muitas vezes ocupam uma posição de invisibilidade em nossa sociedade. E, quando aparecem, com frequência são retratados de maneira preconceituosa e estereotipada. Contudo, se queremos construir uma sociedade diversa, que respeite todas as pessoas e valorize sua riqueza cultural, é essencial construir uma releitura dos povos indígena no Brasil.

Pensando nisso, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo criou o manual Povos indígenas: orientações pedagógicas, com informações e histórias da tradição indígena, escrito pelos autores indígenas Cristino Wapichana e Daniel Munduruku (baixe aqui). Dessa maneira, espera-se que seja possível oferecer um tratamento novo, mais humano e digno aos povos indígenas. Com base nesse material, separamos cinco erros que as pessoas cometem quando falam sobre os povos indígenas, e que você deve abandonar o quanto antes. Veja só:

5 equívocos sobre os povos indígenas brasileiros

“Pois todo dia era dia de índio
Todo dia era dia de índio
Mas agora eles só tem
O dia 19 de Abril”.
Jorge Ben Jor

1. Chamá-lo de índio

Tudo em nosso mundo é mediado pela linguagem. As palavras têm muito poder: podem ser agressivas ou acolhedoras, podem empoderar ou humilhar uma pessoa ou um grupo de indivíduos. Repensar nossa linguagem para que seja mais inclusiva é muito importante, e ressignificar a forma como os indígenas são vistos em nossa sociedade começa daí.

Nesse sentido, é preciso, antes de qualquer coisa, abolir o uso do termo “índios”. Esse termo é considerado racista, colonialista e preconceituoso. Ele está associado a uma ideia de atraso tecnológico, primitivismo e canibalismo, a um povo “bárbaro” que foi dominado pelos portugueses que teriam “descoberto” o Brasil. Essa imagem, no fim, foi uma construção dos colonizadores que reduziu e escravizou os indígenas. Já a palavra “indígenas” significa “nativo”, “original de um lugar”, uma nomenclatura muito mais digna e respeitosa.

2. Usar a palavra tribo

Outra palavra que, ao longo do tempo, foi usada de forma colonizadora para reduzir indígenas e tratá-los como primitivos é “tribo”. Ela esconde a riqueza cultural indígena. Falar em povos indígenas em vez de tribo destaca suas características próprias e traz uma ideia de autonomia, de um povo que não depende de uma cultura que o hospede. São povos muito diversos, como o Mundukuru, Xavante, Guarani, entre outros, que têm um caminho pautado pela tradição indígena.

3. Acreditar que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil

A história oficial do Brasil que aprendemos na escola foi construída de acordo com uma visão eurocêntrica, ou seja, centrada no europeu. Nela, os indígenas são posicionados como figuras secundárias, que aceitaram a dominação do colonizador por serem supostamente “inferiores” culturalmente. É preciso refletir sobre essa versão que se perpetuou com o passar da história, e buscar versões diversificadas. Os autores do manual citado lembram, por exemplo, que essa terra já era habitada pelos povos indígenas há milhares de anos. Portanto, se alguém descobriu o Brasil, foram os povos indígenas, e não os europeus.

Além disso, é importante pontuar que os colonizadores aplicaram políticas de extermínio e assimilação dos indígenas, a fim de suprimir as especificidades de sua cultura e tradição. A população indígena era ampla e diversa à época da chegada dos colonizadores: no ano de 1500, 900 povos estavam espalhados pelo Brasil, falando 1.100 línguas, totalizando entre 5 e 8 milhões de pessoas. Essa riqueza sofreu imensa violência e foi dizimada. Também por isso, muitos defendem que, em vez de descobrimento, se fale em invasão, palavra que denota a agressividade e desapropriação envolvidas.

4. Achar que um povo é mais “civilizado” que outro

Muitas das violências perpetradas pelos colonizadores europeus nas Américas foram justificadas pela ideia de que portugueses e espanhóis eram mais “civilizados” do que os povos indígenas. Mas o que é ser civilizado? Quem definiu esse conceito?

A antropologia, ciência que estuda o ser humano, nos alerta para a importância de desconstruir um olhar etnocêntrico, isto é, que posiciona um grupo étnico ou uma cultura no centro de tudo, como referência para definir os outros. Foi o que aconteceu no processo de colonização. É necessário notar, contudo, que a cultura dos portugueses e a cultura dos povos originários tinham diferentes perspectivas sobre as coisas. O autor Daniel Munduruku pontua, por exemplo, que uma diferença é a forma como enxergam tempo e trabalho.

Para os indígenas, existe o tempo passado, que nos lembra nossa memória ancestral, de onde viemos, e o presente, o momento de realizar, a ser vivido com intensidade e presença. Já os portugueses eram focados no futuro quando chegaram ao Brasil, com a ambição de acumular riquezas. Por isso, os indígenas não aceitaram a imposição dos portugueses de trabalhar para eles – e o que podemos ler como resistência à escravidão, para muitos, ficou como o preconceito de que “indígenas são preguiçosos”, outra ideia que precisa ser combatida.

5. Estranhar que um indígena tenha celular

Tem gente que não aceita o fato de uma pessoa indígena vestir calça jeans, terno, andar de metrô ou carro, usar a internet e ter celular. Reproduzem o preconceito de que o “verdadeiro” indígena é aquele que mantém sua vestimenta segundo a tradição de seu povo, que recusa a tecnologia e não habita a zona urbana.

Esse é mais um dos preconceitos que estigmatiza as práticas das populações indígenas e que parece querer segregar essas pessoas, de modo que fiquem em suas aldeias e não interajam com quem vive nas cidades e tem acesso à tecnologia, à moda etc. Cada indígena, entretanto, deve buscar viver conforme julga mais apropriado, entrando em contato ou não com referências de outras culturas. Se não fosse assim, os portugueses ainda usariam roupas bufantes com capa, veludo e chapéu cheio de penas, e só viajariam de caravelas em pleno século XXI, não é mesmo?

*Foto de capa: Aldeia Krukutu, SP. Foto: Daniel Cunha. Disponível em http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/53254.pdf?fbclid=IwAR3IDWlIZxbuA67JfKzXZglag2Tl3stvHOJ_2aRJbe-nGwbs4oRmjLyCLZ8. Acesso em: 12 nov. 2019.

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