Uma princesinha que tem medo de tudo, um menino que se afeiçoa a uma tartaruga que se parece com a Lua. Esses personagens marcantes da literatura infantil brasileira são fruto da criação do autor Odilon Moraes. Nascido em São Paulo e formado arquiteto, Odilon já ilustrou mais de cinquenta livros e recebeu prêmios como o Jabuti e o Adolfo Aizen (União Brasileira de Escritores).

O uso de espaços em branco, a inserção do silêncio no meio da obra, um tom melancólico e poético, além da abordagem de temas muito sensíveis são traços presentes em seu trabalho. Odilon é capaz de comover leitores de gerações distintas e de suscitar uma série de reflexões. Enfim, trata-se de uma produção consagrada entre os especialistas, que com frequência aparece na seleção do Clube QuindimA princesinha medrosa, Pedro e Lua e Bia e o elefante são alguns exemplos de títulos que levamos aos nossos assinantes. Hoje, batemos um papo com o autor para compreender um pouco mais sobre suas inspirações e seu olhar sobre a infância:

Clube Quindim: Em outras entrevistas, você comentou que o livro ilustrado é um gênero que independe do público, mas que tem aderência com as crianças, esses seres em estado de experimentação do mundo. Pensando nisso, e em como perdemos esse estado ao longo da vida, o que o livro ilustrado pode despertar nos pais dessas crianças, nos adultos de forma geral?


Odilon Moraes: Tem um pensador de livro ilustrado que fala que o adulto se apaixona de uma maneira diferente por esse tipo de livro. A criança se apaixona pela história que está sendo contada, ela não pensa na estrutura. Já o adulto tem dois prazeres: um é a história, como a criança, e o outro, especialmente se ele é um estudioso, é perceber os mecanismos usados por essa linguagem híbrida para contar a história. Perceber o jogo que vai sendo jogado entre imagem e texto é um prazer, descobrir como essa história é contada de uma maneira específica através dessa linguagem diferente. Sou realmente apaixonado por isso.

C.Q.: Muitos acreditam que devemos evitar tratar de “temas difíceis” como o luto com as crianças, ou que o livro infantil não deveria incluir essas temáticas. Muitas de suas obras, como Pedro e Lua, contrariam isso. Como enxerga essa questão?


O.M.: Acho que essas posições meio ideológicas no sentido do que a criança pode ou não pode fazer ou acessar têm uma tendência a mudar o tempo todo. Basta olhar para a história da humanidade e da pedagogia. Não acho que é função do escritor pensar por onde pode ir e por onde não pode ir. O livro ilustrado, pelo menos para mim, é um espaço de escrita, de contar suas ideias. Além disso, as crianças e os adultos são variados e diferentes. Há pontos de vista muito diferentes, assim como interpretações sobre as obras.

Não tento falar com a criança porque, humildemente, não sei quem é a criança com quem estou falando. E vemos que as crianças ficam intrigadas com questões diferentes a cada momento. Percebo no meu filho, por exemplo, que tem universos que não o tocam. Tudo depende do momento em que ele se encontra. Então, enfim, não acho que a questão é ser alegre ou triste, mas os pontos de vista envolvidos.

C.Q.: Qual é a importância de contemplar livros ilustrados e ilustrações nesse momento de hiperconexão tecnológica?


O.M.: Acho que são duas coisas diferentes. A experiência com o livro ilustrado é única. Era como, antes, se comparava o teatro à televisão, como se o teatro fosse acabar, mas cada um encontrou seu território. O contexto reafirmou questões identitárias de cada território.

Acho que a coisa virtual fez muito bem para o livro ilustrado, porque se descobriu um território único e exclusivo dele. Por exemplo, o formato, a maneira de manusear, o ângulo de abertura entre as páginas – como a autora Ângela Lago explora – são partes da história, um tipo de história que não pode ser contado em outro lugar.

Todo leitor completa a obra, a obra não existe sem o leitor, mas, no caso do livro ilustrado, o leitor ainda tem que dar conta de juntar informações aparentemente contraditórias, como se ouvisse duas histórias ao mesmo tempo, que se cruzam algumas vezes e em outras não. Há um modo de se portar diante da obra que é riquíssimo, e o ambiente virtual, por outro lado, tem outras descobertas interessantes que só acontecem lá. O livro ilustrado é um território, e como território não necessariamente está em guerra com outros.

C.Q.: Você também fala que um tema que cruza seus livros é o silêncio. Na sua opinião, qual é a importância de cultivar o silêncio em nosso tempo?


O.M.: Me surpreende e me ensina saber que tem silêncio na minha obra, não foi algo intencional. Em um texto já tentei dizer que veio da relação com o meu pai, que pintava, e a nossa conversa não se dava pela palavra, até porque ele não era muito da palavra, mas pelos desenhos, e o desenho é a forma mais silenciosa de se falar. Talvez também faça parte da minha vida, de ser do interior.

Quando teoricamente virei escritor, compreendi algo que achei muito bacana, que escrever não é colocar palavras, é cortar palavras, entender que o quanto você mostra e esconde tem de ser proporcional. E no livro ilustrado há o que você mostra e esconde na palavra e no desenho. Entra o silêncio da palavra e o silêncio da imagem que não é mostrada.

C.Q.: Quais são os maiores desafios apresentados para a infância hoje, na sua opinião?


O.M.: O maior desafio talvez seja o que, pessoalmente, para mim, é um desafio horroroso, que é o mundo da tecnologia. Eu nem sei mexer no computador e descobrir que muitas coisas só podem ser feitas pelo computador, pelo celular, é muito difícil. É um mundo em certa medida horrível, mas para as crianças é o contrário, é o natural. Não sei se o que vemos como um horror não é só o fim de um tempo que passou. Eles vão ter uma forma de viver nesse mundo.

Quanto ao livro nesse contexto, acho que ele vai se reinventar. Não acho que o digital seja uma ameaça de morte ao livro, embora alguns tenham previsto isso. Pelo contrário: despertou o livro, e o livro ilustrado vem nesse movimento. Sua qualidade material é importantíssima, imprescindível, ele é a “aldeia gaulesa” dos livros físicos. Se o livro digital for ocupar esse território, como se dizia há alguns anos, eu diria que o livro ilustrado seria o último território a ser dominado, porque a qualidade do objeto faz parte da literatura.

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